Feito o pedido ao garçom
cada grupo começou a apresentar seus argumentos. Em pouco tempo a discussão foi
ganhando robustez.
Os que defendiam o
Socialismo alegavam que as pessoas neste sistema tinham os mesmos direitos e
deveres, não existindo, assim, classes sociais nem a figura do patrão, pois todos
trabalhariam com o mesmo propósito: melhorar a sociedade.
Os que defendiam o
Capitalismo, por sua vez, alegavam que o esforço e a capacidade das pessoas
eram fatores que determinavam o grau de riqueza de cada individuo, e, por
consequência, a classe social a qual este pertenceria, logo, o mercado deveria
ser livre.
Os defensores do socialismo,
contrariados, alegavam que a tal livre concorrência de mercado era perversa,
uma vez que valorizava a maximização do capital a qualquer custo, gerando
exploração da mão-de-obra mais humilde e a exclusão dos detentores de menor
renda, por isso, o Estado deveria garantir esse equilíbrio.
Os defensores do
capitalismo, já exaltados, argumentavam que o Estado era incapaz de controlar
todos os meios de produção, inviabilizando constantes inovações e melhorias
tecnológicas, atrasando, assim, o desenvolvimento econômico do país e
desmotivando os funcionários mais esforçados.
A discussão se prolongava,
os argumentos pareciam não ter fim e os exemplos práticos citados fomentavam
ainda mais discórdia. Neste contexto, o garçom que atendera aqueles jovens,
atento aos possíveis desdobramentos daquela conversa, resolveu então intervir e
propor um desafio.
- Meus amigos, disse ele.
Percebo que esta discussão está afastando cada vez mais vocês de um consenso,
por isso, se vocês me permitirem, gostaria de propor um simples desafio.
Os jovens se entreolharam e
já convictos de que aquela discussão realmente não levaria a nenhuma conclusão,
não hesitaram em aceitar a proposta.
O garçom então enunciou o
desafio:
- Amigos, gostaria que vocês
fizessem duas coisas. Primeiro, escrevessem em um pedaço de papel o maior sonho
da vida de vocês. Em seguida, depois que todos já tiverem cumprido a primeira
tarefa, gostaria que compartilhassem os papeis entre todos e elegessem o melhor
sonho do grupo. Vocês conseguem fazer isso?
Por alguns segundos os
jovens ficaram quietos, apenas refletindo, mas logo surgiram as primeiras
manifestações.
- Isso é impossível, disse o
primeiro.
- Como julgar o sonho de
outra pessoa? Disse o segundo.
- Qualquer priorização que
fizéssemos seria injusta com alguém, concluiu o terceiro.
E todos se manifestaram no
mesmo sentido, concluindo ser realmente impossível realizar aquele desafio de
forma a agradar todos os participantes.
O garçom, então, calmamente
e com um ar nítido de presciência, iniciou sua explicação:
- Meus amigos, antes de
tudo, gostaria de salientar que discussões desta natureza são muito comuns,
especialmente em períodos de crise. E como as crises são cada vez mais comuns,
é preciso de muito cuidado e reflexão.
Os jovens continuavam
atentos a cada palavra proferida pelo garçom, embora a ansiedade pela
explicação fosse nítida em cada olhar.
E o garçom continuou:
- Bem, quanto ao desafio,
como vocês mesmos perceberam é muito difícil chegar a um consenso quando se
fala de algo tão íntimo do ser humano - os sonhos. Os sonhos assim como os
sistemas políticos podem ser perfeitos no campo da teoria, porém, precisam da prática
para a sua efetivação. Ai está a grande diferença entre os dois.
Enquanto a realização dos
nossos sonhos só depende de nós e, eventualmente, de mais alguém que os
compartilhe, os sistemas políticos precisam de uma nação inteira compartilhando
de ideais sonhados originalmente por uma ou duas pessoas. Então, se vocês já
não chegaram a um consenso enquanto grupo imaginem milhares ou milhões de
pessoas, cada uma com suas convicções, percepções e dúvidas acerca da realidade
que as rodeia. O fato é que os sistemas políticos ignoram totalmente o ser
humano que existe dentro de cada individuo.
O capitalismo, por exemplo,
resume o homem a um ser que se realiza na vida pelo trabalho, ou seja, quanto
mais ele trabalha mais riqueza e liberdade ele adquire. Neste sistema ter
poucos bens é sinônimo de fracasso, já um patrimônio robusto significado de
sucesso, poder e felicidade. O socialismo, por sua vez, resume o homem a um ser
simplista, desprovido de ambições, vontades, peculiaridades culturais, entre
outras características que a natureza o concedeu e que, por isso, seria capaz de
viver harmonicamente numa sociedade com distribuição igualitária das riquezas. Sejamos realistas, os dois sistemas enxergam um ser humano incompleto. Por isso amigos, não coloquem em risco a amizade de vocês. Pensem, discutam, mas não se esqueçam: Para ser livre só há um caminho: o desprendimento de todas as coisas que não dependem de nós.
E assim o garçom encerrou a
sua explicação e rapidamente colocou-se a servi-los, cumprindo a sua missão.
Ao pagarem a conta, surpresos com a nobre postura e com o
conhecimento demonstrado pelo garçom, os jovens não hesitaram em elogiá-lo ao
dono daquele estabelecimento. Embalados pela curiosidade, também não hesitaram
em questionar como poderia tal garçom ser “apenas” um garçom de bar. O dono,
com um grande sorriso no rosto, apoiou os braços sobre o balcão e calmamente se
pôs a explicar.
- Meus jovens, iniciou ele. Muito simples. Este homem
sempre foi meu melhor garçom. Conheço-o desde jovem. Ele nunca me deixou na
mão. Sempre mostrou vontade em aperfeiçoar suas habilidades e seus
conhecimentos. Devido a sua grande dedicação no trabalho e ao reconhecimento
que recebeu dos nossos clientes, eu quis promovê-lo. Aliás, eu não queria
perdê-lo para o mercado, mesmo sabendo que eu já pagava acima da média para a
função. Desta forma, ofereci a ele a coordenação de atendimento e cozinha. Mas ele não aceitou, receou que pudesse não
desempenhar a nova função com a mesma maestria que desempenhava o oficio de
garçom, função que aprendeu do seu pai e para qual afirmava ter um grande dom.
Eu então percebi que estava prestes a cometer um grande equivoco.
Sempre
utilizei o mercado como fonte de referência para tudo. O mercado sempre balizou
as minhas contratações, as demissões, as promoções, os aumentos salariais.... Por
isso, a única forma de segurá-lo foi oferecer uma promoção, que, aliás, é uma prática
consolidada de reconhecimento do mercado. Pois é, foi assim que eu poderia realmente
perder meu melhor garçom e, pior, talvez ganhar um coordenador mediano. Diante
desse quase fato eu parei para refletir um pouco. Fechei meus olhos e por alguns minutos revisitei
alguns conceitos que eu considerava verdades absolutas desde criança. Logo cheguei a
uma conclusão simplista, mas profunda. Seguir a correnteza é mais fácil e
cômodo, mas nos levará sempre ao mesmo lugar, um lugar que abriga calmarias, mas também quedas bruscas. Por que não nadar contra e tentar algo diferente?
Foi
o que eu fiz. Hoje pago meu garçom pelo que ele merece, ou seja, pelo valor que
ele agrega ao meu negócio. Desde então, ele
recebe um salário muito melhor. Dado o seu interesse em aperfeiçoar seus
conhecimentos e habilidades, pago a ele todos os seus estudos. Dou ainda 60
dias de férias ao ano e valiosos benefícios. Hoje tenho certeza que tenho o
melhor garçom da cidade. Esse é o meu regime, essa é minha política. Todos os meus
funcionários possuem as mesmas oportunidades. O meu negócio, por consequência, vai
muito bem! Somos líderes, somos respeitados e, acima de tudo, somos felizes.
Moral
da história: A
cooperação é a convicção plena de que ninguém pode chegar à meta se não
chegarem todos.