Wednesday, July 12, 2017

A tartaruga na árvore

Se um dia você encontrar uma tartaruga no topo de uma árvore, não mexa com ela, pois alguém a colocou ali.

Essa história é bastante conhecida, mas, infelizmente, ainda frequente nas organizações.
Pessoas desprovidas de conhecimento, competência técnica ou habilidades gerenciais acabam surgindo em posições estratégicas, como se caíssem de paraquedas. São pessoas externas à organização, que desconhecem o negócio, desconhecem a cultura organizacional, mas tem um “QI – Quem Indica” forte. Algumas vezes são parentes ou amigos dos sócios ou no caso das empresas públicas, indicações políticas.

Nenhuma empresa esta imune a este mal, embora nos órgãos públicos esse “quelônio” tem data para aparecer. Nestas repartições, geralmente, a cada quatro anos, nas mudanças de gestão, os cargos mais estratégicos mudam de “dono”. A lógica é simples, as pessoas que de alguma forma ajudaram nas campanhas eleitorais são compensadas com algum cargo público.

O fato é que, independente do motivo da indicação, estes “gestores” podem em pouco tempo destruir toda uma cultura organizacional existente, gerando prejuízos gigantescos e exigindo, assim, longos anos para a completa recuperação da organização. Aí a pergunta que fica é: quem vai pagar por todo esse prejuízo?

Pois é, nas empresas privadas, quem paga são os funcionários e os clientes, já nas empresas públicas, são os funcionários públicos e toda a população. Como todos nós fazemos parte da população, de uma forma ou outra, acabamos também pagando este preço.
Mas o que fazer para evitar tal situação?

Bem, na iniciativa privada o próprio mercado acaba se tornando uma ferramenta de controle, exigindo mudanças estruturais sempre que algo não está legal. O problema maior acontece quando as “tartarugas de árvore” assumem a gestão de atividades de apoio. Nestes casos, o reflexo costuma ser indireto para o cliente, tornando mais morosa a percepção dos problemas pelo “dono da caneta”, embora internamente as pessoas saibam plenamente quem são essas “figurinhas”.  Ainda assim, como a excelência na gestão é inspirada pelo engajamento e guiada pelo conhecimento, estes gestores, mais cedo ou mais tarde, estarão expostos. Neste caso, cabe apenas esperar, pois em algum momento da vida profissional essas pessoas vão se deparar com alguém muito inteligente e ético, que não será conivente com o desempenho e exigirá mais profissionalismo e competência, colocando-as no seu devido lugar, que não será numa árvore.

O grande desafio está na iniciativa pública. Nas empresas públicas, autarquias e sociedades de economia mista o buraco é mais embaixo. Como os cargos de gestão são cargos comissionados, no qual o critério confiança prevalece sobre o critério técnico, é bastante comum a indicação de verdadeiras “tartarugas” para posições estratégicas. São pessoas que fingem que trabalham, fingem que cumprem as regras, só não fingem na hora de receber os salários, que, diga-se de passagem, são bem elevados. Essas pessoas geralmente têm vários “compromissos externos” e costumam resolver “assuntos pessoais” na tarde de sexta-feira.

Por ser uma realidade bastante conhecida das pessoas, a sociedade já desenvolveu uma cultura de conformismo, do tipo: “sempre foi assim”, “faz parte do jogo político”, “é o ASPONE – ASsessor de POrra NEnhuma do político”, e por isso, pouca coisa tem sido feita. O fato é que tal situação não pode ser admitida, pois fere diversos princípios constitucionais e gera prejuízos incalculáveis. É claro que em todos os casos, existem as exceções.
A Constituição Federal deixa claro que a regra para a contratação de pessoas na Administração Pública é o concurso público, sendo o cargo em comissão uma exceção à regra. Para estes cargos em comissão a Constituição estabelece a necessidade de fixação de uma quantidade mínima de concursados para ocupação. Infelizmente, na esmagadora maioria das situações inexiste lei regulando este percentual mínimo. Em razão disso, abusos são cometidos de todas as formas e nas mais variadas entidades administrativas. 
Uma boa tentativa de moralizar essas indicações políticas e impedir que as copas de árvores continuem sempre repletas de tartarugas, veio com o advento da Lei 13.303/2016, que estabelece normas relacionadas a governança corporativa, transparência e compliance no âmbito das empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias. Neste sentido, a lei estabelece requisitos objetivos a serem atendidos antes da nomeação dos membros do Conselho de Administração e da Diretoria, com um viés moralizador.

Iniciativas como essas mostram que a situação pública não é um caso perdido. Por isso, a população brasileira precisa acordar. É hora de dar um basta nestes desmandos políticos. É preciso fazer cumprir as leis. É preciso mostrar que a gestão só será perfeita quando ninguém for descartável... E todos entenderem como, o quanto e porquê são substituíveis...