Monday, June 3, 2013

Uma morte natural

Infelizmente tive que ir a um velório. Digo infelizmente não pelo velório em si, mas pelo que ele representa, ou seja, a morte de alguém. 

Tudo bem que a cidade era pequena, mas o velório foi digno de um feriado municipal. A falecida era benquista por todos e por isso o ato reuniu um número imenso de pessoas. O atestado de óbito confirmava morte por infarto do miocárdio, ou como preferem alguns, “morte natural”. É lógico que de natural não havia nada. Como é obvio que a morte natural não poderia ser evitada, a “ciência médico-legal da morte” decidiu que os idosos nunca morrem de velhice, mas do coração, de insuficiência respiratória ou de qualquer outra coisa do tipo. Tudo bem faz sentido.
O clima que emergia daquele velório era um clima pesado, de tristeza e saudade, provavelmente compatível às ótimas recordações que ficaram daquela senhora. Uma comoção um tanto natural, aliás, a morte é um dos maiores tabus da cultura ocidental, que vê na morte o fim. Por alguns minutos, eu, que não tinha nenhum parentesco com a falecida e apenas algumas vezes a tinha visto, também me pus a chorar. Bastaram-me alguns poucos momentos de contato para que chorasse feito uma criança. 

Mas deixando de lado a choradeira, em especial a minha, e focando na essência daquele momento de vulnerabilidade emocional, minha mente começou a processar uma série de informações, como se resolvesse compreender o incompreensível ou racionalizar o ilógico. Então, seguindo aquela corrente de sentimentos e sensações, parei, pensei e comecei a me perguntar: Se a morte de uma mãe é tão dolorosa assim, como deve ser a dor ao se enterrar um filho? Qual a sensação de se enterrar simbolicamente alguém morto em guerra?  Qual a sensação de nem saber se um parente está vivo ou morto? Ou seja, qual a sensação sentida quando a morte parece não seguir uma lógica? É lógico que eu não esperava que as respostas surgissem naquele ambiente. Eu morreria de medo se ouvisse alguma voz...

Esta semana acompanhei pela TV mais uma notícia de decapitação de refém no Iraque. É espantoso. Só este ano eu já perdi a conta de quantos foram decapitados. Nos jornais vejo quase todos os dias em números o saldo de mortos das últimas 24 horas. Acho que se somássemos só as baixas civis no Iraque, durante um mês, já teríamos uma base de quanto tempo levaria para a população daquele país se extinguir. A violência urbana já nem é mais dado é uma referência estatística, que serve quase que exclusivamente como base de comparação com anos anteriores. Somo a isso, a violência no trânsito, a qual é mais fatal no Brasil do que a ação de qualquer grupo terrorista no mundo. Pior ainda são os pobres, os miseráveis, os índios..., estes aí nem sequer são contabilizados, são apenas hipóteses ou estimativas. Mas como pode a dita “civilização moderna” chegar a este ponto? Cadê a dignidade dessa gente?  Parece que o ser humano nasceu para a morte, ao invés da vida. E o pior é que isso é verdade, segundo estudos, em toda história houve sempre mais guerra do que paz. Aí me ocorreu mais uma pergunta, daquelas sem resposta imediata, mas que sintetizou todas as perguntas anteriores que me ocorreram: se a “morte natural” é assim tão dolorosa, qual é a sensação de enterrar alguém morto da “morte não natural”? 

O fato é que muita gente fez previsões no passado, de cientistas a profetas, predizendo que o homem evoluiria, até se transformar “num deus”, e que o indispensável progresso da humanidade atingiria um ponto em que não haveria guerras, nem doenças, nem morte. Mas a realidade não é bem essa, esse pessoal se enganou feio, pois vivemos no século da guerra, vivemos no século em que uma vida tem pouco valor. Não é difícil de perceber. Os soldados mortos em combate, as vítimas civis das guerras, as vítimas de balas perdidas, de atentados terroristas, que tratamento recebem? Dizemos que vivemos num mundo de horrores ainda sequelado pelas lembranças da Segunda Guerra. Que nada! Nós é que queremos vivenciar parte destas lembranças. Ou não pagamos para que nos intimidem e assustem? Aliás, a morte é banal ou talvez... legal. Eu, ali, visualizando a falecida, pobrezinha, e pensando tudo isso. Mas é verdade, pagamos à indústria cinematográfica bilhões de dólares anualmente para que crie guerras, simule mortes, dor e sofrimento. Como se não bastasse a realidade dos noticiários, agora junto ao tradicional medo pela morte soma-se uma estética da negação que transforma em um banalizado e grotesco filme de horror qualquer referência séria a ela. Se não nos fosse suficiente a ficção, ainda saímos às ruas defendendo os interesses de sujeitos que matam, roubam e danificam a integridade física e psicológica alheia, em troca de alguns favores baratos, às vezes, uma cesta básica ou alguns “real”. Por outro lado criticamos as ações de ricos, poderosos, famosos, considerando apenas a versão parcial de muitos meios de comunicação. Será que nos sentimos mais aliviados com as notícias da mídia, a mesma mídia que nos choca, pois temos os “EUA defendendo a todos”? Essa é mais uma daquelas perguntas que eu não saberia nem a quem direcionar, pois hoje a morte está banalizada.  Banalizada pelos vencedores das guerras, pelos poderosos e ricos, pelos detentores de armas, pelos fanáticos religiosos e talvez, por que não, por todos nós.

Apesar daquele momento de tristeza, percebo que aquele velório me ensinou algo. Algo grandioso e profundo, que eu posso resumir na seguinte frase: quanto mais pessoas morrerem da “morte natural”, mais sentido fará a vida. Naquele dia, a vida ainda fez sentido pra mim. Que Deus a tenha!

ZSCHORNACK, Thiago. 2010.

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